sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Director Nacional do Património do Estado é um Novo Latifundiário




Rafael Marques de Morais
MAKAANGOLA.ORG

A 5 de Junho passado, o director nacional do Património do Estado, Sílvio Franco Burity, requereu com sucesso ao governador provincial do Kwanza-Sul, general Eusébio de Brito Teixeira, a legalização de 8 974 hectares para os seus projectos privados de agro-pecuária.
O terreno em causa está situado na comuna de Quimbalanga Haco, no município do Mussende, e divide-se em duas áreas contíguas. Na primeira, de 4 751 hectares, Sílvio Franco Burity apresentou o requerimento na qualidade de representante da empresa privada Grano Gado Lda.
O governante detém formalmente metade das acções da Grano Gado, enquanto o seu sócio e administrador da empresa, Manuel dos Santos da Silva Ferreira, detém a outra metade.
Indiferentes à legislação em vigor, quer pela impunidade quer pela arrogância, os dirigentes angolanos continuam a usar o princípio constitucional de que a terra pertence ao Estado, assim se apoderando dela para fins privados.
Do ponto de vista legal, a negociata entre Sílvio Franco Burity e o general Eusébio de Brito Teixeira viola a Lei da Probidade.
Compete à Direcção Nacional do Património do Estado, um órgão executivo do Ministério das Finanças, a inventariação, o controlo e a orientação, entre outros, dos órgãos da administração local, incluindo os afectos aos da província do Kwanza-Sul.
A Lei da Probidade estabelece que “a actuação do agente público deve ser orientada para o interesse comum, à margem de qualquer outro facto que exprima ou favoreça posições pessoais, familiares, corporativas ou quaisquer outras que colidam com o interesse público”.
Por outro lado, a mesma lei define como acto conducente ao enriquecimento ilícito a aceitação de emprego ou consultoria para terceiros, no caso de estes poderem beneficiar da acção ou omissão “decorrente das atribuições do agente público, durante a actividade”. A Grano Gado tem um sócio-gerente, que poderia perfeitamente ter apresentado o requerimento, mas Sílvio Franco Burity assumiu-se como o verdadeiro gerente da empresa e usou a sua condição de servidor público para agilizar a legalização dos terrenos.
De forma astuta, o sócio do director nacional do Património do Estado, Manuel dos Santos da Silva Ferreira, também requereu, no mesmo dia, a 5 de Junho, mais 2 913 hectares de terra, a sul do terreno solicitado por Sílvio Franco Burity, em nome da Grano Gado. A norte, o terreno requerido pelo referido sócio confina com o terreno pessoal do director nacional. Ou seja, a dupla ocupou um terreno contíguo com 11 887 hectares.
Com o referido esquema, os sócios cometem o que o jurista Rui Verde descreve como  “uma fraude à lei que proíbe a concessão de direitos fundiários superiores a 10 000 hectares sem aprovação do Conselho de Ministros”. Com a Constituição de 2010, cabe exclusivamente ao presidente da República aprovar uma concessão superior a 10 000 hectares.
Como pode Sílvio Franco Burity exigir, no exercício das suas funções, a prestação de contas sobre o património do Estado sob tutela do general Eusébio de Brito Teixeira, se este lhe faz o “favor” de lhe conceder terras em tempo recorde?
Não é estranho o facto de o governador do Kwanza-Sul ter abocanhado, em menos de dois anos, mais de 300 quilómetros quadrados de terra, na província sob seu domínio, ou seja, uma extensão territorial equivalente a 34 cidades do Kilamba? No mesmo período, e apenas para a família presidencial, o governador legalizou perto de 350 quilómetros quadrados de terra, como se em breve se explicará. É o princípio corrompido da máxima segundo a qual “uma mão lava a outra”.
O jurista Manuel Neto entende que as leis angolanas “servem mais para mostrar ao Ocidente que temos um estado de direito democrático com leis modernas”.
Maka Angola contactou o gabinete do director nacional do Património do Estado, Sílvio Franco Burity, para conhecer a sua reacção formal, mas ainda não obteve resposta.
Ganância desmedida
Um especialista em agronomia contactado por Maka Angola critica grandes concentrações de terra na mão de apenas alguns indivíduos. De acordo com o interlocutor, que prefere o anonimato, tais extensões de terra não são aproveitadas devidamente. “Este é um mal que vem do tempo colonial, quando apenas se cultivava dez por cento da área cedida, em média. Agora é menos de um por cento”, afirma.
Para o especialista, ”o  único impacto positivo é a criação de emprego, embora muitos paguem mal e tratem os trabalhadores pior do que no tempo colonial”.
Membros da comunidade local ouvidos por Maka Angola discordam da teoria da criação de empregos. Denunciam, ao invés, a expropriação de terrenos comunitários que sempre foram usados para a agricultura de subsistência. Os terrenos são atravessados pelo Rio Gango e pelos riachos Quimbangala e Gazela.
Já em Kanguandja, na comuna do Quicombo, município do Sumbe, a fazenda de Sílvio Franco Burity, com extensão superior a 2 000 hectares e mais de 1 000 cabeças de gado, é uma fonte de bons empregos para expatriados, com destaque para cerca de 15 cidadãos de nacionalidade brasileira.
Outro dado importante avançado pelo especialista é o valor do investimento necessário para um projecto agrícola numa área de entre cinco a dez mil hectares. “Em regra [os investimentos], ficam por mais de 50 milhões de dólares, fora os custos de financiamento. Por isso, tais projectos começam a abortar.”

Imagem: O director nacional do Património do Estado e novo latifundiário, Sílvio Franco Burity.

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