segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

E agora… 2015? (1.ª parte) Alves Rocha





O título da minha primeira crónica do novo ano pode ser interpretado em dois sentidos: sem ponto de interrogação significa o ponto de partida de um período muito difícil para a economia angolana e que se pode prolongar até 2020, conforme me referi em duas crónicas anteriores onde foquei os desafios a que vamos estar confrontados nos próximos anos; a interrogação circunscreve a matéria a 2015, sendo presumível que alguma coisa pode ser feita para minorar os efeitos do tsunami financeiro em marcha. Só que não temos condições para absorver os efeitos deste tremendo choque externo, nem nas finanças públicas, nem na economia.

http://expansao.co.ao/Artigo/Geral/52641

Portanto, resistir tem de ser a palavra de ordem. A minha grande frustração relaciona-se com as observações seguintes: Todos os angolanos tinham consciência dos tremendos riscos associados à excessiva dependência do petróleo. Já em artigos anteriores demonstrei - esta abordagem consta do meu último livro, intitulado Salários, Distribuição do Rendimento e Crescimento Equitativo, e também pode ser encontrada no Working Paper n.º 2 do CEIC (www.ceic-ucan.org) - que foi durante o período 2004-2008 que se deveria ter decidido constituir um Fundo de Estabilização das Receitas do Petróleo (de resto, recomendação recorrente do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial e de outras instituições internacionais) que permitisse encarar o futuro com menos riscos e mais confiança.
Como se sabe, a opção essencial foi no sentido da acumulação primitiva do capital e da criação de uma elite económico- -financeira muito rica. ? Os colossais investimentos públicos - cerca de 80 mil milhões USD entre 2002 e 2014 - não têm produzido os efeitos económicos que verbas desta ordem de grandeza deveriam induzir.
Os investimentos públicos têm sido o segundo factor de crescimento da economia nacional, logo a seguir às exportações de petróleo, mas a sua contribuição média para a taxa de variação anual do PIB é estimada entre 1,5 e 1,8 pontos percentuais apenas, devido à relativamente baixa qualidade dessas obras públicas e ao facto de também ser por intermédio dos esquemas de adjudicação de obras e correspondente fiscalização que se esvai algum do dinheiro público.
Entre 2013 e 2020, não vai ser possível distribuir mais e melhor - o incremento médio anual do rendimento por habitante poderá ser de apenas USD 250 - e, por consequência, a austeridade que se avizinha vai penalizar substancialmente as famílias de rendimento médio baixo e os pobres. Ou seja, a desigualdade em Angola não se circunscreve à repartição do rendimento e da riqueza, mas projecta-se igualmente na distribuição dos sacrifícios.
A redução/eliminação dos subsídios aos preços dos combustíveis - em nome da eficiência económica - não vai penalizar em nada as classes ricas do País (seja a 300 Kz ou 400 Kz o litro do combustível, os ricos não vão andar de transportes públicos, nem deixar de fazer as passeatas a que estão habituados ao fim-de-semana), mas vai fazer alguma mossa nas condições de vida da grande maioria da população.
Numa situação de austeridade, a eliminação destes subsídios deixa de ter um custo de oportunidade medido pela contrapartida no reforço das despesas públicas com a educação, saúde e saneamento básico. Quando falta dinheiro e é fundamental reduzir o défice fiscal, a eliminação dos subsídios passa a ser essencialmente uma medida de contenção orçamental.
No seu discurso de final de ano, o Senhor Presidente da República aludiu uma vez mais à necessidade de se gerir as finanças públicas de uma forma que talvez até este momento o não tenham sido. Referiu-se em particular aos gestores públicos, quem directa e imediatamente tem a responsabilidade de verificar a conformidade dos gastos com as regras, normas e procedimentos aprovados pela Assembleia Nacional.
Mas os gestores executam ordens dos seus superiores, não podendo, em circunstância nenhuma, invocar autonomia, independência ou isenção que não possuem. São meros executores de orientações superiores. Consequentemente, devem ser todos os membros do Governo os primeiros a dar provas de consistência nas suas declarações de austeridade, de disciplina no uso dos bens e dinheiros públicos, de patriotismo nas propostas de repartição de sacrifícios, de capacidade de presciência face a ambientes adversos e de competência técnica na condução das políticas públicas.
Face às adversidades e desafios até, pelo menos, 2020, acções como a Reforma Tributária em curso (visando principalmente aligeirar o peso exagerado da tributação petrolífera nas finanças públicas e encontrar novas fontes de dinheiros públicos) e outras devem começar a ser equacionadas com o propósito de tornar o exercício de gestão das finanças públicas e da economia em geral (eficiência, equidade, solidariedade) mais assertivo e menos atreito à ocorrência de factores externos.
É tempo de se começar a equacionar a aplicação de um imposto progressivo sobre as fortunas existentes. Thomas Pikett (Capital in Twenty-First Century, Harvard University Press, 2014) demonstra as virtualidades deste tipo de imposto sobre o reequilíbrio social da riqueza e do rendimento, a criação de um poder de compra necessário para a sustentabilidade do crescimento e a melhoria na distribuição dos frutos do crescimento entre capital e trabalho.Seria uma prova consistente com declarações políticas a favor da equidade social e económica e em pouco beliscaria a perspectiva estratégica de criação de um poder económico angolano forte e capaz de concorrer com as corporações estrangeiras interessadas em Angola.
É tempo de se encerrarem definitivamente todas as janelas por onde se escapam dinheiros públicos através do tráfico de influências, compadrios e conivências políticas (aplicação, em pleno e com todas as consequências derivadas, do aviso do Senhor Presidente da República tolerância zero à corrupção que tem já mais de sete anos (será que ainda podemos esperar algo?), da Lei da Probidade Pública (honorabilidade que todo o funcionário público tem de praticar), da Obrigatoriedade de Declaração de Rendimentos e Riqueza da parte dos funcionários superiores do Estado e das empresas públicas, da Lei da Contratação Pública e de muitos outros instrumentos de política pública que não têm passado do papel.
As instituições públicas deveriam fazer uma estimativa de quanto dinheiro público podia ser poupado se estas deliberações fossem cumpridas. Não é um exercício difícil. É tempo de regressarem ao País os capitais nacionais que fugiram no tempo das vacas gordas, para serem investidos na agricultura e na indústria transformadora. Este repatriamento de capitais privados nacionais seria um bom sinal de patriotismo da parte dos seus proprietários e uma manifestação concreta de confiança na economia nacional.
Não se deve deixar apenas aos investimentos estrangeiros a manifestação dessa confiança, sob pena de se criar um fosso dentro das forças produtivas da Nação. Face à redução das receitas externas em divisas, à ocorrência de défices fiscais expressivos até ao final desta década, à elevação das taxas de juro nos mercados financeiros internacionais, ao ajustamento em baixa das taxas de crescimento económico e a revisão da classificação de risco do país, é de se esperar uma retracção significativa nos fluxos de investimento estrangeiro.
Mesmo no sector do petróleo, as companhias estrangeiras terão de cortar os investimentos que provavelmente constavam das suas carteiras para Angola. A exploração em águas profundas tem custos só compatíveis com um preço internacional do petróleo entre 80 e 100 USD. (Continua no próximo número.)


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