terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Angola em Risco





Quando José Lima Massano telefonou a Carlos Costa para dar por finda a garantia do Estado Angolano ao BESA abriram-se em Luanda  algumas garrafas de CRISTAL .

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De um golpe, cancelou-se uma dívida de €3,3 mil milhões e livraram-se de apuros alguns largos e complexos créditos às custas, em última instância, do Estado Português. Carlos Costa – na especificidade do seu peso pluma – não “tugiu nem mugiu” e deu de barato o fato consumado. Em Luanda nem queriam acreditar que pudesse ter sido tão fácil.
Mas o largo sorriso em Luanda transformou-se em riso amarelo. A verdade é que por detrás da decisão do Banco de Portugal quanto ao “Fundo de Resolução” no BES  esteve o Banco Central Europeu e Frankfurt não apreciou, de todo, o procedimento de Massano. O BCE passou a considerar o Banco Nacional de Angola como contraparte não-confiável e nem a nomeação do respeitado Governador José Pedro Morais susteve uma forte reação.
Em Frankfurt estão instalados os pesos pesados e a retaliação foi violenta: os ativos angolanos passariam a partir de 1 de Janeiro de 2015 para uma ponderação de risco de 100%. Isto significa uma pesada contração do financiamento da banca internacional a Angola por força de um significativo  aumento dos “spread”.
A primeira vítima colateral desta alteração estratégica do BCE  foi, como se sabe, o BPI. Está agora sem saber o que fazer ao seu BFA sendo que a única certeza é a de que o BPI não vai seguramente aumentar a sua exposição a  Angola – quando esta mais precisa.
Mas a dificuldade prudencial do BPI é  igual à dos restantes bancos. Todos os bancos que dão crédito a Angola e às empresas angolanas terão os seus ponderadores prudenciais dramaticamente penalizados e a reação inevitável será uma forte contração desse crédito.
A forte contração do crédito internacional a Angola por razões prudenciais não podia ter vindo na pior altura. Como se sabe a queda do preço do petróleo coloca enormes desafios a Angola e a conjugação destas duas dificuldades torna a situação angolana muito delicada.
O petróleo  representa 95% das exportações e 75% da receita fiscal de Angola e isto basta para ver a importância que uma queda do preço do petróleo em mais de 50% tem numa economia com esta estrutura. Acresce que o custo médio de extração de petróleo em Angola andará pelos $60 por barril, isto significando  que alguns campos marginais têm que ser temporariamente encerrados nos atuais cerca de $ 50 bp  BRENT diminuindo, em consequência, as exportações.
O quadro macroeconómico neste contexto foi evidentemente profundamente afetado. Como definição deve dizer-se que a economia Angolana é um caso clássico do que os economistas designam por “Dutch Disease” (como o THE ECONOMIST designou seminalmente em 1977 a economia holandesa pela sua dependência no gás natural) tendo todo o síndroma de uma dependência – neste caso do petróleo. Esta “Dutch Disease” tendo uma patologia clara tem, também, remédios óbvios – desde que o paciente os aceite, bem entendido.
A economia angolana entrou na recente queda do petróleo num quadro macroeconómico bastante equilibrado. Depois do programa de ajustamento do FMI de 2008/2009 relacionado com a queda do preço do petróleo na crise financeira, Angola restabeleceu rapidamente os seus equilíbrios. A recuperação do preço do petróleo para a zona dos $ 100 por barril permitiu uma “boa saúde” financeira. A dívida pública nos 18% do PIB faz inveja a qualquer pais europeu e, por exemplo, o saldo do Orçamento do Estado em 2012 foi de  +6,2 % (sim, positivos).
As reservas internacionais de ouro e divisas estavam em 2013 nos $38 mil milhões bem maiores do que o saldo da dívida externa nos cerca de $22.7 mil milhões.
Com o petróleo a $100 por barril as contas externas apresentavam uma posição muito confortável. Por exemplo, em 2013 as exportações foram de $71 mil milhões e as importações de $26 mil milhões gerando um saldo comercial apreciável. Isto permitiu um forte fluxo negativo na balança de capitais e, mesmo assim, um saldo positivo da balança de pagamentos de uns $6 mil milhões.
A queda do preço do petróleo para a zona dos $45/50 pb tem um conjunto de implicações: redução drástica das exportações em valor e seu impacto nas reservas cambiais; forte redução das receitas fiscais e seu impacto no deficit orçamental e, last but not least, desequilíbrio orçamental na SONANGOL dado o custo de exploração ser da ordem dos $60.
Faz, assim, toda a diferença considerar se esta queda brutal do preço do petróleo é um fenómeno conjuntural ou estrutural. Se podemos imaginar que o petróleo regressará em breve para a zona dos $100 pb ou se estabilizará num intervalo dos $40/60.
O Presidente Eduardo dos Santos decidiu pelo caminho da prudência  e o Governo de Angola está a refazer os cálculos do Orçamento considerando um cenário central para o preço do petróleo de $40 pb em vez de $81. É, a meu ver, um cenário de stresse extremo mas parece-me inteligente aproveitar esta conjuntura por duas razões. Primeiro, por pensar que o preço do petróleo vai andar nos próximos dois anos mais próximo dos $60 pb do que dos $100 bp e, segundo por este enquadramento permitir a introdução de medidas de política que, justamente, podem fazer face à “Dutch Disease”.
Porque é que, na minha avaliação, o preço do petróleo andará mais próximo dos $60 do que do $100?
A brutal queda do preço do petróleo de quase 50% tem razões específicas ao mercado petrolífero mas tem, também, causas mais gerais da maior importância. Veja-se, por exemplo, que o índice BLOOBERG das COMMODITY – onde o petróleo se integra – caiu 75% entre 2011 e Janeiro de 2015. Isto significa que há fatores mais gerais comuns a toda a categoria que se devem considerar.
São eles a desaceleração do crescimento económico da China e a reversão do entesouramento ligado com o fim do Quantitative Easing nos EUA.
O crescimento de dois dígitos ao ano da economia chinesa nos últimos 15 anos foi o grande impulsionador da procura mundial de Commodities. Em 2014 a economia chinesa cresceu próximo dos 7% e nos próximos anos provavelmente ainda menos. O impacto de 5 ou 6 pontos percentuais a menos no crescimento chinês traduzidos em  menor procura de commodities é gigantesco e isso teve um óbvio impacto nos preços.
Em segundo lugar, houve uma reversão no entesouramento financeiro em commodities. A introdução do Quantitative Easing nos EUA na sequência da crise financeira de 2008 levou a uma queda muito forte das taxas de juro, que ficaram em alguns casos negativas. A proteção dos investidores quando as taxas de juro real negativas vai no sentido da aquisição de ativos reais como o imobiliário e as commodities e daí se ter dado um enorme afluxo de capital para instrumentos financeiros ligados aos mercados de commodity que não tinham, na verdade,  tradução na economia real.
A inversão em Outubro de 2014 da política de QE nos EUA e o início da subida das taxas de juro levaram à reversão do entesouramento e, portanto, à venda dos produtos financeiros que o suportava.
O conjunto destes dois fatores – forte decréscimo da procura originada na China e reversão do entesouramento  financeiro –  levou a uma fortíssima queda de praticamente todos os preços de commodity, em alguns casos de dimensão muito maior do que o preço do petróleo. Qualquer um destes dois fatores não parece ter uma reversão  significativa num próximo horizonte pelo que se não vê uma rápida e forte recuperação dos preços das commodity num horizonte curto.
Mas o mercado da procura e oferta de petróleo a par das suas condicionantes geoestratégicas tem também razões que me  leva a pensar em preços de mercado mais próximos dos $60 pb do que dos $100 pb.
Desde logo, num quadro de arrefecimento da procura mundial de petróleo que se estima tenha encontrado um patamar superior nos 30 milhões de barris por dia, a produção mundial de petróleo  tem vindo sempre a subir. Por exemplo, entre 2008 e 2014 subiu cerca de 4,1 milhões de barris por dia ou seja quase 80%. No forte crescimento da produção destacaram-se as contribuições do Iraque, do Canadá e dos EUA – estes pela forte expansão das extrações pelas tecnologias fractais. Veja-se, por exemplo, o Canadá que em 1985 produzia 1,8 milhões de barris/dia – uma dimensão similar a Angola – e, em 2014, quase triplicou para   4,2 milhões de barris/dia.
No caso do Iraque, em particular, a recuperação da produção é espetacular. Em Janeiro de 2015 a produção foi de cerca de 4 milhões de barris por dia um crescimento de 30% sobre o ano anterior. Para que se tenha uma ideia, a previsão de produção no Iraque aponta para 9 milhões de barris por dia em  2020 – cinco vezes mais do que a angolana.
O forte crescimento da produção de petróleo nos EUA e no Canadá alterou profundamente os fluxos internacionais, com importantes implicações geoestratégicas. Enquanto há uns cinco anos os EUA importariam uns 11 milhões de barris por dia tendo o Golfo uma quota de uns 60%, no último ano estas importações baixaram para uns 6 milhões de barris por dia e o Canadá representa uns 60% desta necessidade.
Em 2014 as importações da OPEC para os EUA baixaram para uns míseros 2,6 milhões de barris dia. O prolongamento das tendências recentes aponta para um cenário onde o Canadá possa fornecer a totalidade das necessidades de importação americanas de petróleo. As Monarquias Sunitas do Golfo perderam, assim, a sua relevância geoestratégica e estão mais que nunca dependentes dos EUA.
A ameaça de perda da relevância geoestratégica impeliu a Arábia Saudita e os Emirados  a defender a sua quota de mercado na produção mundial – em vez  de acomodar a queda da procura com a sua tradicional quebra de produção para suportar os preços. A Arábia Saudita percebeu que a manutenção do preço incentivava a rápida introdução das tecnologias fractais e, ainda mais, dava força ao emergente poder Xiita no Iraque, estabilizando os Xiitas do Irão e as ambições Imperiais de Putin.
Uma forte queda do preço do petróleo serve, assim, os interesses geoestratégicos das Monarquias do Golfo (com reservas mais do que suficientes para aguentar um, dois ou três anos de vacas magras) e dos EUA. Enfraquecer os Xiitas e os Russos foi uma bela jogada no xadrez da política internacional. Pelo meio há uns danos colaterais como o “fogo amigo” sobre Angola e a completa destruição do Chavismo.
Eis, portanto, e em resumo porque creio que o preço do petróleo nos próximos dois anos tenderá a estar numa banda mais baixa ($40/60) do que mais alta ($100/120).
As implicações deste quadro global petrolífero para Angola são muito significativas. É preciso notar, desde logo, que Angola é um “price taker” no mercado petrolífero, isto é, não tem mecanismos de leverage que diferenciem a sua posição e permitam que de algum modo influenciem os preços  do petróleo.
Angola representa apenas 2% da produção mundial de petróleo e 5% da quota da OPEC. Com a sua produção de 1,8 milhões de barris por dia e a produção de  599,1 milhões de barris em 2014, Angola não está nos 15 maiores produtores de petróleo do Mundo. As reservas conhecidas no montante de 15 mil milhões de barris são importantes mas muito distantes dos grandes “peso-pesados”: Venezuela 298; Arabia Saudita 265; Irão 157; Iraque 150; Kuwait 101; Emirados 97.
Por sua vez, Angola exporta 57% do seu petróleo para a China com contratos de longo prazo (cerca de metade dos quais a preço pré-fixado). O quadro macro de necessidades da China de abastecimento de petróleo está, ele próprio, em fluxo. A procura, como vimos, está em desaceleração e nas alianças geoestratégicas a Rússia assume o papel de fornecedor crescente – juntando a “fome com a vontade de comer” de ambos na sua aliança contra os EUA.
Não admira, portanto, que a China se mostre, hoje, um parceiro mais difícil de negociar do que no passado – logo agora que Angola mais necessita. A próxima visita do Presidente Eduardo dos Santos ao Palácio do Povo não será um fracasso mas estará longe dos objetivos pretendidos.
Andou, assim, bem o Presidente Eduardo dos Santos a ordenar cautela e a aproveitar as dificuldades para dar impulso a transformações estruturais de largo alcance na economia angolana.
No plano imediato é fundamental baixar o custo de produção da Sonangol. Neste sentido foi nomeado para a Presidência José Lima Massano, uma pessoa com forte perfil financeiro e considerado um dos melhores quadros técnicos do país. Foi já anunciado um fortíssimo programa de corte de custos envolvendo fornecedores (cortes de cerca de 50%) e pessoal, incluindo as (elevadas) despesas de formação e representação. É fundamental cortar, pelo menos, uns $10 ao custo médio de produção da SONANGOL que anda neste momento nos $60 por barril.
No plano cambial, evidentemente teve lugar uma forte queda das reservas cambiais em 2014 com uma queda da ordem dos 30% para cerca dos $25 mil milhões. Para além de restrições sérias na convertibilidade para proteger as reservas cambiais com leilões semanais mais restritos pelo BNA, foi já anunciado um programa de restrição e proibição de certas importações que terão o inevitável efeito de aumentar a produção local, diversificando a economia. Este será, espero, um exemplo do velho ditado “há males que vêm por bem” mas também “não havendo bela sem senão” obviamente os exportadores – nomeadamente os 9 000 exportadores portugueses para Angola que representam 35% do total das importações – vão ser irremediavelmente afetados (alguns séria e definitivamente).
Mas a transformação económica com o alargamento da base produtiva local, nomeadamente substituindo importações, exigirá mudanças institucionais e de cultura empresarial muito profundas e que não são fáceis de atingir a curto prazo. Desde logo, a questão da segurança individual é decisiva mas outras questões “soft” não o são menos.
O Banco Mundial elabora todos os anos o “Índice Doing Business” cobrindo 189 países no Mundo. Neste Índice de 189 países, Angola  – sejamos verdadeiros – está classificada em 181. Isto é, Angola é praticamente um dos piores países do Mundo para fazer negócios. Em vários critérios a situação é verdadeiramente alarmante: Resolução de Insolvências 189; Execução de Contratos 187; Obtenção de Crédito 180; Abertura de Empresas 174; Registo de Propriedade 164; Obtenção de Eletricidade 157. Alterar este quadro institucional é indispensável mas, na verdade, tarefa gigantesca.
A situação cambial obviamente ficou sob forte tensão. Os pagamentos internacionais estão seriamente atrasados e mesmo pequenas quantias, como o pagamento de colégios dos filhos a viver em Portugal, estão muito dificultados. O Kwanza, não obstante, no último ano teve uma pequena desvalorização oficial  dos cerca de 95 para os cerca  de 105 para o dólar. Mas no mercado dos “Kinguilas” o (escasso) dólar que circulava há semanas a 120, já cotiza – no dia que escrevo – a 170.
Esta  desvalorização “oficial” do Kwanza de uns 10%, está muito longe do “leading indicator” do cambio “Kinguila”. Evidentemente que não há razões para o Kwanza ter um descalabro como o que aconteceu com o Rublo ou o Bolívar.   Mas isto sugere que a desvalorização cambial estará a ser fortemente reprimida para controlar a inflação mas, diria sobretudo, para dar uma noção de controle da situação financeira.
As experiências internacionais de repressão cambial mostram que raramente têm êxito. Pelo contrário, quando os fundamentais são adversos, como neste caso, o prolongamento da repressão cambial redunda em queda ainda maior.  Não me surpreenderia que, em breve, o Kwanza “oficial” esteja perto dos 180 para o dólar e quanto mais rápida se der a desvalorização, melhor.
Finalmente, no plano Orçamental depois do deficit de 4% em 2014 a revisão em curso para 2015 sugere um (impressionante) deficit acima dos 14% . Estima-se que em 2015 se arrecadem menos $14 mil milhões com impacto direto no saldo pois os impostos petrolíferos representam cerca de 75% do total das receitas fiscais.
Concordo que o Governo Angolano andaria mal se fosse mais restritivo nesta conjuntura. Faz todo o sentido utilizar o que os economistas Keynesianos chamam de “estabilizadores automáticos” pois a dívida pública/PIB em Angola está abaixo dos 20% e isso dá amplo espaço para o estímulo económico em moeda local.
De todos os modos, mesmo com esta abordagem Keynesiana dificilmente o PIB deixará de ter uma forte queda. Estima-se que o PIB depois de ter caído uns 2% em 2014, poderá contrair uns 4% em 2015. Uma alteração radical face aos bons tempos recentes de crescimento quase a dois dígitos afetando seriamente uma comunidade de 200 000 portugueses que fazem a sua vida em Angola.
Uma alternativa menos Keynesiana poderia revelar pouco senso político abrindo espaço a forte instabilidade social. Por outro lado, fará todo o sentido alterar a composição da despesa na linha das recomendações do FMI diminuindo os subsídios que favorecem “os ricos”, aumentando em Saúde e Educação. Mas os “ricos” são o apoio político do regime e não será sem consequências que uma tal evolução se poderá dar.
Em resumo, creio que a imensa capacidade política do Presidente Eduardo dos Santos estará a ser posta à prova em dificuldades porventura sem paralelo desde a Independência de Angola.
Embora os analistas se refiram ao preço do petróleo como a génese das dificuldades em Angola, existe na verdade um quádruplo choque assimétrico: a alteração do risco país pelos ponderadores determinados pelo BCE; a queda do preço do petróleo; a menor relevância de Angola para a China como fornecedor de petróleo; enfim, uma forte desvalorização do Kwanza.
Este quádruplo choque converge numa grande vertente que são as grandes dificuldades de financiamento para o sistema financeiro angolano. A forte e inevitável desvalorização não será de maior para o Estado angolano pois a dívida de Estado de uns $25 mil milhões é acomodável. Mas acarretará importantes insolvências para os privados – incluindo o sistema financeiro – que se tenham financiado em moeda estrangeira.  Os contornos de uma crise bancária em Angola são evidentes  impondo-se uma atuação proactiva e determinada do BNA.
Que saudades o BESA fará.

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