sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

O Ataque à Caravana da UNITA e a Intolerância Política em Angola









 Cassongo, vítima da intolerância política, luta pela vida no Hospital de Cafunfo.

Maka Angola

Nos cuidados intensivos do Hospital de Cafunfo, um dos membros da UNITA, Cassongo, que se encontravam na caravana automóvel atacada a 16 de Fevereiro continua a lutar pela vida, com uma grave fractura craniana. Ainda não há qualquer reacção oficial à emboscada sofrida pela caravana em Cafunfo (Lunda-Norte), às mãos de elementos identificados como sendo do MPLA e apoiados pela polícia. Do ataque, resultaram 18 feridos da UNITA, uma viatura carbonizada e nove outras danificadas pelos atacantes.
Depois de duas noites internado devido aos ferimentos que sofreu no referido ataque, o secretário para a administração da UNITA no Cuango, João Muambongue, recebeu alta do Hospital de Cafunfo ontem à tarde, Depois , marcado com seis pontos na nuca, ferimentos nos ombros e nas costelas. Celestina Marco também passou dois dias internada, com ferimentos nas costelas e a cara muito inflamada. Ambos regressaram hoje ao hospital para prosseguirem com o tratamento.
O Ataque
Por volta das 7h45, a caravana da UNITA chegou à primeira aldeia da comuna do Luremo, Muacassenha, rumo à sede comunal, onde pretendia realizar a sua actividade política. “Vimos uma barricada na estrada com uma multidão à volta. Afrouxámos a marcha e começámos a ser apedrejados”, conta João Muambongue.
“O secretário do MPLA no Luremo, Lino, estava à frente da multidão, a dirigir o ataque. Ele também atirava pedras”, afirma o secretário da UNITA, acrescentando que alguns dos seus militantes se desdobraram em esforços para proteger os veículos e, na acção, “conseguimos apanhar o secretário do MPLA e um outro elemento do MPLA, que comandavam o ataque”.
A captura dos referidos elementos, segundo João Muambongue, causou a reacção imediata dos efectivos policiais que assistiam ao ataque. “A polícia efectuou disparos contra nós para nos forçar a soltar os membros do MPLA. Largámos o secretário”, continua o interlocutor.
João Muambongue explica terem batido em retirada do local, já com alguns feridos e vidros partidos, mas levando sob custódia um dos militantes do MPLA. “O homem que nós apanhámos levou umas chapadas e uns pontapés e trouxemo-lo para Cafunfo como prova do ataque que sofremos. Entregámo-lo à polícia.”
A Emboscada do Gika
Entretanto, no regresso a Cafunfo, às 11h12, já no Bairro Gika, a caravana viu-se novamente paralisada por uma barricada, controlada por um agente regulador do trânsito, com uma multidão à espera e os agentes policiais a dar-lhe cobertura.
Alguns jovens militantes do MPLA entrevistados pelo Maka Angola foram unânimes em revelar que a representação do MPLA no Luremo alertou, por via telefónica, o soba Manhinga, do Bairro Gika, sobre o seu membro que a UNITA levava sob custódia. “Os homens do Luremo ordenaram-nos que fizéssemos uma barricada no Gika e impedíssemos a passagem da UNITA”, revelou um dos jovens, sob anonimato.
Debaixo de uma chuva de pedras, paus e outros objectos contundentes, as primeiras viaturas furaram o cerco e dirigiram-se à Segunda Esquadra, do Bairro Gika, a uma ligeira distância do local da barricada. O secretário provincial da UNITA, Domingos de Oliveira, procedeu à entrega do homem que tinham capturado no Luremo.
Uma multidão também os havia seguido até à esquadra, em cujo quintalão o soba Manhinga tem a sua residência. Este, de fisga na mão, continuou a dirigir a operação de apedrejamento e a proferir ameaças mesmo diante da polícia, segundo depoimentos de várias testemunhas.
No local do cerco, a situação tornou-se trágica para os que lá ficaram. E aqueles que haviam chegado à polícia regressaram ao ponto da barricada, em solidariedade para com os seus colegas ali bloqueados.
“O nosso carro [Toyota Hilux de cabine dupla], o que foi queimado (na foto), era o oitavo na caravana. Fomos retirados da viatura e espancados com pedras, na cabeça, na coluna, em todo o corpo. Retiraram-me o rádio de comunicações Motorola, 20000 kwanzas, e espancaram-me até não me poder levantar do chão”, relata a vítima. A viatura transportava 11 passageiros, seis dos quais mulheres.
“O comandante Ngonga, da Esquadra do Bairro Gika, fardado, arrastou-me para me afastar da viatura, chamando-me de bandido e dizendo que nós da UNITA devíamos morrer ali mesmo”, narra João Muambongue. Para desfazer quaisquer equívocos, revela: “O subinspector Ngonga estudou comigo, foi meu colega de turma, por isso não me posso enganar sobre quem ele é.” Aventa a possibilidade de ter sido mais espancado pela população, para além de ter sofrido algumas pedradas de agentes policiais. Afirma, no entanto, que o motorista da viatura carbonizada, que se encontra internado, “foi mesmo torturado pela polícia. Eu estava presente”.
Quando já estava a uma distância segura viu então, de acordo com o seu depoimento, “o secretário da JMPLA do Bairro Gika com um bidon de gasolina, de dez litros, a regar o carro e a incendiá-lo. Eu vi com os meus próprios olhos”.
Numa das fotografias a que o Maka Angola teve acesso, vê-se o comandante da unidade policial do Bala-Bala, inspector-chefe Galeano, a apreciar o incêndio do veículo sentado na sua motorizada.
“Os polícias assistiam ao ataque como se estivessem a ver um jogo de futebol. Só depois nos transportaram, os mais feridos, para a Segunda Esquadra, onde ficámos cerca de meia hora. Depois fomos levados ao hospital”, afirma Muambongue.
Por sua vez, o secretário provincial da UNITA, Domingos Oliveira, que dirigiu a comitiva, disse ao Maka Angola ter informado pessoalmente o administrador municipal do Cuango, no dia anterior, sobre a sua visita ao Luremo. “Era nosso desejo visitar essa comuna por causa da intolerância política que aí se verifica contra a oposição”, explica.
Domingos Oliveira também abordou a questão da viagem com o administrador do Luremo, Lourenço Sahunjo, “que nos garantiu que seríamos recebidos pelo seu adjunto, na comuna, e que a polícia garantiria a ordem e a tranquilidade”.
“A polícia deu protecção aos atacantes. É assim a resolução da intolerância política de que o senhor presidente José Eduardo dos Santos fala nos seus discursos. É essa a estabilidade política que temos no país?”, interroga-se o secretário provincial da Lunda-Norte, que escapou ileso dos ataques.
Por sua vez, o comandante municipal da Polícia Nacional no Cuango, superintendente Celestino Caetano Bravo, concentrou-se, com um forte dispositivo unificado de militares e agentes policiais, num dos principais largos de Cafunfo, junto aos contuários (postos de compra de diamantes) de Didi Kinwana e Baka. Centenas de efectivos da Polícia de Intervenção Rápida (PIR), soldados das FAA e agentes da Polícia Nacional haviam-se desdobrado pelas artérias da vila de Cafunfo, prontos a intervir.
Essa operação respondia às dinâmicas etnolinguísticas que animam as lutas políticas naquela região. A vila de Cafunfo é predominantemente habitado por tchokwés, o principal grupo etnolinguístico da região. Grande parte deste povo, naquela localidade, é considerada rebelde, contrária aos desígnios do poder. O Bairro Gika é dominado por bângalas e considerado o bastião do MPLA em Cafunfo.
Sobre o ataque à caravana da UNITA, Celestino Caetano Bravo negou o envolvimento de militantes do MPLA. “Não foi um ataque dos militantes do MPLA. Não dou entrevistas por telefone. Se quiser falar comigo pode vir ao município”, conclui abruptamente a conversa. Não mais responderia às tentativas de contacto por parte do Maka Angola.

Caça ao Homem no Luremo
No Luremo, vários militantes da UNITA e cidadãos oriundos do sul de Angola, Uíge e Malanje tiveram de refugiar-se no comando da Polícia de Fronteira, na localidade da Curva, onde passaram a noite.
Fontes locais afirmam ter havido ordens para capturar cidadãos oriundos das regiões acima mencionadas, “porque são esses que dão mimos à UNITA”. Um jovem do Uíge, conhecido apenas por Nando, viu a sua cantina ser destruída por uma horda de populares.
Alguns já se encontram deslocados em Cafunfo, onde se sentem mais seguros.
Como demonstram estes lamentáveis acontecimentos, é muito frágil a convivência democrática entre o partido no poder e os partidos da oposição. A tão propalada estabilidade política em Angola pode facilmente resvalar em massacres.

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