segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Polícia Nacional Encobre Rapto de Manifestantes


Rafael Marques de Morais
MAKAANGOLA

Laurinda Gouveia, a única mulher no grupo dos activistas raptados.

Oito dos nove manifestantes detidos pela Polícia Nacional (PN) a 29 de Julho, cujo paradeiro foi mantido incerto por um dia, foram raptados imediatamente após à libertação pelas autoridades policiais.

Adão Bunga “MC Life”, Adolfo Campos, Agostinho Epalanga, Kika Delegado, Laurinda Gouveia, Manuel José Afonso “Feridão”, Mário Faustino, Raúl Mandela e Valdemiro Piedade passaram por uma experiência aterradora. Alguns deles encabeçam a lista dos manifestantes mais perseguidos pelas autoridades e com mais detenções e sujeições a espancamentos.

Por volta das 16h00, junto ao Cine Atlântico, na Vila Alice, uma composição policial impediu a progressão da maioria dos referidos activistas, que tentavam caminhar juntos para o Largo da Independência, onde pretendiam manifestar-se.

A polícia deteve-os – segundo linguagem oficial, “recolheu-os” – e encaminhou-os para a 3ª Esquadra, no Pau da Cobra, na Vila Alice. Os activistas Mário Faustino (recentemente libertado após mais de 40 dias na prisão sem culpa formada) e Delegado foram detidos a posteriori e encontraram os outros acima mencionados já na referida esquadra.

Meia hora depois, o comando da referida esquadra procedeu ao transporte dos “recolhidos”, numa viatura Toyota Land-Cruiser, para o município de Viana. Um patrulheiro e três motorizadas constituíram a escolta.

“Durante o trajecto, gritávamos dentro da viatura, em protesto. Parámos frente ao portão da Comarca de Viana, à espera de ordens”, referiu Mário Faustino.

Segundo os activistas, surgiu no local uma terceira viatura, um Suzuki Jimny com oficiais da polícia, que manteve comunicação com o chefe da missão. Em obediência a novas ordens, a caravana  retomou viagem para Luanda Sul, tendo libertado os  manifestantes pouco depois das 20h00, no Bairro Jacinto Tchipa.

João Paposseco Suanga, que tinha dinheiro consigo, retirou-se imediatamente, em busca de transporte para casa, em Viana, no Quilómetro 30.

“Nós queríamos pedir ajuda para nos apanharem porque não tínhamos dinheiro para pagar o transporte de todos”, explicou Mário Faustino. O activista referiu também que de repente se viram envolvidos por duas viaturas com vidros fumados, das quais desceram homens armados à paisana, com cartucheiras ao peito, que os colocaram sob mira das armas. “Obrigaram-nos a deitar numa das viaturas, estendidos de barriga para baixo e uns por cima dos outros, tipo sacos de bombó”, lamentou.

Assim começou o inacreditável calvário dos activistas. Todos as vítimas – contactadas  individualmente pelo Maka Angola – contaram a mesma história: passaram quase 24 horas como “sardinhas enlatadas”, às voltas de carro, acabando numa mata a leste de Luanda.

“Pensámos que estávamos a ser levados para sermos abatidos”, temeu Feridão.

Mário Faustino queixou-se com mais veemência da violência física. “Eu sofri mais com o pisoteamento, os pontapés e os socos, porque os captores acusaram-me de ser o grande incentivador para os ex-militares se manifestarem. Nem consigo ficar de pé, de tanta pancada e dores.”

“Parámos à noite por umas horas, mas não sabíamos onde estávamos e não tínhamos noção do tempo”, declarou Laurinda Gouveia. A única mulher do grupo lamentou ainda o facto dos raptores não lhes terem sequer providenciado água para beber, durante o período de rapto.

De acordo com Adolfo Campos, sempre que solicitados, os raptores paravam as viaturas para permitir que os activistas aliviassem as suas necessidades fisiológicas, mas de olhos vendados. Segundo o activista, também fizeram algumas pausas durante o dia, para que os sequestradores se revezassem e descansassem.

“Eles [raptores] parecem bruxos. Parávamos sempre no meio da mata. Ficámos com a impressão que estavam à espera de uma ordem de alguém muito alto [no topo da hierarquia] do poder para nos executarem.”

Mário Faustino afirmou que à excepção do contacto inicial e de questões pontuais, os raptores “não falavam connosco. Estavam sempre ao telefone, mas paravam a viatura para falar fora. Só ouvíamos ordens e linguagem codificada”.

 Assalto à Casa do Paposseco

Ao Maka Angola, o comandante provincial de Luanda, comissário-chefe António Sita, havia afirmado que os então activistas “desaparecidos” encontravam-se voluntariamente escondidos em casa de Paposseco. Disse ainda que enviaria para lá uma patrulha policial para “vê-los”.

“O comandante Sita recebeu informações falsas dos seus subordinados ou da secreta. O que o comandante disse sobre os activistas se terem escondido em minha casa é pura mentira”, afirmou Paposseco.

No dia seguinte, 30 de Julho, Paposseco dirigiu-se ao serviço e cumpriu a sua rotina. Só perto do meio-dia soube, por um colega que leu a notícia do Maka Angola, sobre as declarações do comandante Sita, segundo as quais Paposseco teria escondido os “desaparecidos” para criarem “factos políticos” contra o governo.

Por volta das 16h00 de ontem, vários agentes policiais cercaram a residência de Paposseco e detiveram o seu irmão, que foi levado à esquadra policial do Quilómetro 30. “Revistaram a casa toda. A minha mulher deu à luz há semanas. O bebé estava a dormir quando a polícia a obrigou a retirar o bebé para revistarem o colchão à procura dos manos [os activistas desaparecidos].”

Segundo Paposseco, nem o seu vizinho escapou à revista. “A polícia também invadiu a casa dele. Usaram a desculpa de que estavam à procura de drogas.”

Entretanto, na esquadra, “os investigadores mostraram a minha foto e a dos revús [activistas antigovernamentais] desaparecidos. Queriam saber onde estávamos”, adiantou Paposseco.

A Cabala

Por volta das 18h00, segundo depoimentos das vítimas, as viaturas pararam num ermo e ordenaram aos passageiros que se alinhassem de costas viradas para os sequestradores.

“Avisaram-nos de que se algum de nós olhasse para trás levaria tiros”, afirmou Feridão. Os agentes retiraram-se. “Passado pouco tempo, um de nós ganhou coragem, olhou para trás e viu que todos os raptores tinham ido embora e deixado o saco com os nossos telemóveis”, relatou Mário Faustino.

Conhecedor nato da região de Icolo e Bengo, de onde a sua família é originária, Mário Faustino diz ter reconhecido logo que se encontravam na zona da Cabala. Ligaram os telefones e pediram a intervenção dos amigos para que lhes providenciassem.

“Esses mais-velhos, dirigentes e comandantes, perderam completamente o juízo e já não sabem o que estão a fazer. Isso está muito perigoso”, concluiu Adolfo Campos.


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